Usar armas nucleares ainda é tabu?
O mundo está começando a esquecer a realidade das armas nucleares
* Professor Heni Ozi Cukier
By Nina Tannenwald, a senior lecturer in political
science at Brown University and the author of The
Nuclear Taboo.
Em março de 1990, a revista New Yorker publicou uma
história em quadrinhos de JackZiegler que representava o otimismo no fim da
Guerra fria. A ilustração mostra um executivo sentado em sua mesa,
enquanto um funcionário entra no escritório, carregando uma grande bomba
com barbatanas. “Traga essa bomba aqui, por favor, Tom, e coloque a na minha
caixa de correspondência”, diz o executivo. “Claro, chefe!”, responde
o funcionário.
A imagem de colocar bombas nucleares “na caixa” era
o símbolo da esperança que muitos tinham de que uma nova fase de
cooperação entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética estava
começando. O medo de começar uma guerra nuclear entre as duas maiores
potências diminuiu, e muitos tinham a expectativa de que as armas
nucleares, embora ainda existissem, não fossem mais fundamentais para a
política internacional.
Mikhail Gorbachev, o último líder da União
Soviética, declarou, em junho de 1991, que “o risco de uma guerra nuclear
global praticamente desapareceu”. Hoje, mais de 30 anos depois, as bombas
nucleares estão de volta na caixa. O medo de uma guerra nuclear entre os
Estados Unidos e a Rússia voltou com uma vingança. Como consequência da
brutal invasão russa à Ucrânia e as graves ameaças nucleares de
oficiais russos, o mundo está mais próximo do uso de armas nucleares, por
desespero – ou por acidente ou erro de cálculo – do que em qualquer
momento desde o início dos anos 1980.
A Guerra Russo-Ucranina serve como um duro lembrete
de algumas antigas verdades sobre as armas nucleares: há limites para a
proteção que a dissuasão nuclear oferece. (Armas convencionais talvez
garantam mais proteção). Em uma crise, a dissuasão é arriscada, e não
automática e autoaplicável, e há sempre a chance de falhar.
Nas primeiras décadas após a Segunda Guerra
Mundial, muitos militares americanos, líderes políticos e muitos cidadãos
aguardavam ou temiam que as armas nucleares seriam usadas de novo.
Hisoshima e Nagasaki tornaram os horrores da bomba atômica visíveis para
todos. A ideia de que uma guerra nuclear poderia acontecer a qualquer
momento permeava a sociedade americana. Muitas construções da Guerra Fria
– inclusive escolas, aeroportos, e até hotéis, foram feitas com bunkers. A
instrução de “abaixe e se proteja” em caso de um ataque nuclear (ao invés
de correr até a janela para olhar) se tornou parte de exercícios de
simulação de defesa que todo cidadão americano, até mesmo crianças, foi
estimulado a praticar.
Filmes como A Hora Final (1959), uma obra de ficção
científica pós-ocalíptica, retratavam um mundo destruído pela guerra
nucelar. Estrategistas militares como Herman Kahn, que foi uma das
históricas inspirações do personagem insano que dá nome à clássica comédia
de humor mórbido Dr. Strangelove, de Stanley Kubrick, fazia proselitismo
sobre “pensar o impensável” – a necessidade de pensar sobre
como lutaríamos e sobreviveríamos a uma guerra nuclear. Eventos como a
Crise dos Mísseis em Cuba tornaram esses medos claramente reais. Durante
13 dias em outubro de 1962, o mundo chegou mais perto do que nunca de uma
guerra nuclear. Na época, muitas pessoas acreditavam que o mundo estava
prestes a acabar em nuvens de cogumelo.
No entanto, ao longo do mesmo período,
desenvolveram-se normas de contenção. Um tabu nuclear – uma inibição
normativa contra o primeiro uso de armas nucleares – surgiu como resultado
de interesses estratégicos e preocupações morais. Um movimento antinuclear
global, junto com Estados sem armas nucleares e as Nações Unidas, buscaram,
ativamente, estigmatizar as armas nucleares como armas de destruição
em massas inaceitáveis. Depois do medo da crise dos mísseis, os Estados
Unidos e a União Soviética também levaram adiante acordos de controle de
armas para ajudar a estabilizar a “balança do terror”. Essas normas de
controle nuclear ajudaram a cultivar a tradição de quase 77 anos sem uso
de armas nucleares, a característica mais importante da era nuclear.
Hoje, entretanto, a maioria desses acordos de
controle de armas foram descumpridos, e os Estados com armas nucleares
estão novamente participando de uma custosa corrida armamentista. Estamos
em um período de excesso nuclear ao invés de restrição. Tudo isso nos traz
ao atual momento e à grande questão que surge na mente de todo mundo:
Os líderes russos têm tabu nuclear? O presidente
russo Vladmir Putin usaria uma arma nuclear na guerra com a Ucrânia?
Ele certamente quer que o mundo – principalmente os
Estados Unidos – pelo menos pense que ele usaria. No dia em que ele
anunciou o começo de uma “operação militar especial” na Ucrânia, Putin
avisou que, se algum país tentasse interferir na guerra,
sofreria “consequências que jamais foram experienciadas na história”, o
que muitos consideraram como uma ameaça nuclear velada. Outros oficiais russos
deram declarações similares durante a guerra.
Até agora, é mais provável que essas ameaças sejam
mais para dissuadir a OTAN do que para realmente usar. Aparentemente, a
Rússia não aumentou o nível de alerta de suas forças nucleares, mas ativou
um sistema de comunicação que poderia iniciar uma ordem de lançamento.
Oficiais russos certamente estão cientes de que qualquer uso de
armas nucleares traria graves consequências para a Rússia e para Putin,
inclusive uma condenação e vexame internacional. Como o embaixador russo
nos Estados Unidos, Anatoly Antonov, disse no começo de maio: Foi o nosso
país que, nos últimos anos, propôs, de maneira persistente, aos colegas
americanos afirmarem que não pode haver vencedores em uma guerra nuclear,
logo isso nunca deveria acontecer. No entanto, o risco de Putin usar uma
arma nuclear não é nulo, e, à medida que a guerra continua, mais alto se
torna o risco.
Tanto os Estados Unidos quanto a OTAN não fizeram o
mesmo discurso dos oficiais russos (ameaças nucleares) nem tiveram o mesmo
comportamento (maior prontidão das armas nucleares), mas, sim,
disponibilizaram grandes quantidades de armas convencionais para a
Ucrânia, enquanto prometeram responsabilizar a Rússia pelos crimes de
guerra. Apesar das tentativas dispersas dos Estados Unidos de criar uma
“zona de exclusão aérea” sob quase toda Ucrânia, o governo de Biden
sabiamente resistiu. Na prática, isso significaria derrubar aviões russos
e provocar a Terceira Guerra Mundial.
Todavia, enquanto a guerra continua, os Estados
Unidos talvez estejam sonâmbulos em uma guerra ainda maior, e, portanto,
mais perigosa. A fraca performance militar russa incitou sistemas de
mísseis defensivos e países anti-Rússia a mudarem seus objetivos de simplesmente
ajudar a prevenir a derrota ucraniana para criar uma Rússia
“enfraquecida”, como sugeriu o Secretário de Defesa dos Estados Unidos
Lloyd Austin no dia 25 de abril.
Um número preocupante de comentaristas de política
internacional, incluindo militares americanos aposentados e apoiadores da
OTAN que deveriam ser mais cuidadosos, incitaram, com certa indiferença, o
governo Biden a ter uma postura mais agressiva na ajuda com a Ucrânia ou
então tentar a vitória, a despeito do risco de uma escalada nuclear.
Usar a guerra para reafirmar a hegemonia dos
Estados Unidos é uma jogada perigosa. Há um cheiro de esquecimento nuclear
no ar. Uma razão pela qual a guerra fria permaneceu fria foi que os
líderes americanos reconheceram que enfrentar um adversário nuclearmente
armado impõe restrições à ação. Quando a União Soviética invadiu a Hungria
em 1956 e Tchecoslováquia em 1968, os Estrados Unidos se abstiveram
de responder com força militar.
No entanto, hoje existe uma geração inteira (ou
mais) de pessoas para quem as realidades assustadoras da Guerra Fria e o
exercício “abaixe e se proteja” são eventos em livros de história, e não
experiências vividas. Conforme o historiador Daniel Immerwahr escreveu
recentemente: “Essa é a primeira década em que nem um único chefe de um
estado nuclearmente armado pode se lembrar de Hiroshima”.
Ao tornar as armas nucleares vivas de novo, a
Guerra Russo-Ucraniana nos lembra não somente dos benefícios, mas também
do risco significativo e dos limites da dissuasão nuclear. A dissuasão
provavelmente impediu a Rússia de expandir a guerra para os países da
OTAN, como Polônia e Romênia. O arsenal nuclear russo impediu a OTAN de
intervir diretamente, mas isso também não conseguiu ajudar a Rússia a
tomar ou manter um território importante na Ucrânia ou obrigar Kiev a se
render. Mais importante, a guerra nos lembra que controlar a escalada de
tensões é algo altamente desconhecido.
Nós não temos ideia do que aconteceria se uma
arma nuclear fosse realmente usada. A guerra também nos lembra que, no fim,
as normas são quebráveis. Nos últimos anos, inúmeras normas que antes
foram consideradas robustas foram solapadas. Normas de democracia são sob
ameaça nos Estados Unidos e em outros países. Internacionalmente, os
Estados têm corroído as normas de integridade territorial, do multilateralismo,
do controle de armas e do direito humanitário. O tabu nuclear, embora
amplamente difundido, está mais frágil do que outros tipos de normas,
porque pequenas violações provavelmente o destruiriam.
Professor Heni Ozi Cukier
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